16 setembro, 2006

 

Emprego, consumo e "status" social



"A nova Lei da Imigração pretende ligar a concessão de vistos a imigrantes às oportunidades de emprego que, a cada momento, existam no país. Faz sentido. Mas vivemos em Portugal uma situação curiosa: os imigrantes vêm para cá fazer trabalhos que os portugueses já não querem executar. Acontece na construção civil e no turismo, por exemplo. E começa a acontecer na agricultura. Para estes sectores, onde cada vez mais se encontram estrangeiros a trabalhar, os imigrantes representam uma condição de sobrevivência.Os portugueses, que não aceitam essas tarefas em Portugal, já se dispõem a executá-las no estrangeiro, onde ganham mais. Por isso, como salientou o DN de 9 de Agosto, Portugal continua a ser um país de emigração. Até acontece que as remessas dos nossos emigrantes aumentaram 9,2% nos primeiros cinco meses deste ano.De facto, os portugueses não deixaram de emigrar. Para Espanha, nomeadamente. E a maioria dos que saem é gente pouco qualificada - sobretudo homens jovens. Emigram só porque vão ganhar mais?Com certeza que a melhor remuneração no estrangeiro é um factor de peso. Mas multiplicam-se as notícias sobre portugueses enganados por quem os levou a emigrar, vivendo agora em situações próximas da escravidão. Tais notícias não dissuadem muitos outros de sair do país. Porque não aproveitam, antes, as ofertas de trabalho locais, que parecem só agradar aos estrangeiros? Dir-se-ia que, para quem está desempregado, mesmo um trabalho mal pago e socialmente pouco valorizado será preferível ao subsídio de desemprego. Ora o que vemos é essas oportunidades de emprego, em Portugal, serem desprezadas pelos nacionais (e nem todos emigram), tornando-se necessário recorrer a mão-de-obra imigrante para as preencher.Não era assim há poucas décadas. O fenómeno da imigração é relativamente novo entre nós. E já assume grande importância, não apenas para os sectores acima referidos, como para algumas localidades do interior, que os naturais foram abandonando e que agora sobrevivem graças aos estrangeiros que lá se instalaram.Houve entretanto uma profunda mudança na atitude dos portugueses. As modificações decorrentes do 25 de Abril e do período revolucionário que se lhe seguiu, o crescimento da economia (muito forte até 1973) e o maior contacto com a maneira de viver de outros povos (através dos media, do turismo e da própria emigração) alteraram os padrões de exigência dos portugueses. Tarefas consideradas humildes deixaram de ser aceites pelos portugueses - em Portugal, não no estrangeiro, onde são anónimos desconhecidos e por isso não se envergonham. A entrada para a Europa comunitária, há vinte anos, e a euforia consumista do final da década de 90 convenceram muitos de nós de que, fazendo agora parte do clube dos ricos, deveríamos actuar como tal - como ricos.Não é apenas na área do emprego que essa nova atitude se manifesta. Revela-se, também, nas despesas de consumo que contam, ou que se julga que contam, para o status social das pessoas. Não se trata de uma aberração: para quem conserva ainda fresca a memória da antiga pobreza, o status tem importância.Daí o contraste entre a ilusão de já sermos ricos e a realidade económica. Tal contraste reflecte-se na evolução do endividamento. Com juros baixos (estão a deixar de o ser), as famílias portuguesas endividaram-se para satisfazerem velhas necessidades básicas, mas também para darem resposta às suas novas necessidades de afirmação social.Em dez anos, entre 1995 e 2005, o endividamento dos particulares passou de 30% do PIB para 84%. Na Zona Euro, só as famílias da Holanda têm hoje mais dívidas do que as portuguesas.O problema, aliás, não é só das famílias. As empresas e o Estado central, regional e local têm vivido em larga medida a crédito. Graças ao euro, o défice externo do país já não provoca angústia por falta de divisas, mas esse desequilíbrio terá de ser pago - já está a ser - com a nossa riqueza.Ora o défice externo não tem parado de subir e já atinge cerca de 10% do PIB. É a medida de quanto estamos a viver acima dos nossos recursos. Mas não haja ilusões: poucos irão moderar as suas aspirações em matéria de emprego ou de consumo. A saída para o desequilíbrio entre aspirações e recursos só pode estar no aumento dos recursos. Ou seja, no crescimento económico."

Francisco Sarsfield Cabral in Diário de Notícias (16/09/2006)


Comments:
Ola,
tenho varios amigos meus, com a minha idade, que sairam de cá e foram ganhar mais para outro... qd digo foram ganhar mais, é mm isso... so sairam para ganharem mais... bj
 
Olá Visconde! Eu nunca seria capaz de sair do meu país para fazer um trabalho não qualificado, sujeitar-me a estar longe da família e dos amigos, trabalhar arduamente, tudo em nome de mais dinheiro e de um mês na terra para mostrar o carro de alta gama. Não condeno quem o faz, mas eu tenho uma filosofia de vida muito própria: o dinheiro não é tudo e a vida é muito curta para não a aproveitarmos. Entendo que há situações de vidas muito complicadas em que sair do país parece ser a única alternativa, mas não sei até que ponto, em algumas situações, isso também não é feito em nome de um almejado status social.
Uma vénia!
 
Excelente artido amigo Pedro, o chamamento da riqueza tem destas coisas: não faço aqui mas faço-o la fora!

Cumprimentos
 
acho que se tem de ter mais cuidado no trabalho fora do país... mas como diz o ditado quem não arrisca não petisca...
 
Continuas cim bom gosto automobilístico! Carros suecos: Volvo e Saab.
 
Este artigo merece outro do tamanho do original. A razão de os portugueses emigrarem e de outros imigrarem também tem a ver com a auto-estima, embora no caso da imigração ela possa ter a ver com a auto-preservação (guerras, fome... esse tipo de 'contas'). Às vezes há razões muito humanas para se saír do país e o conforto e bem-estar são razões muito legítimas. Os gananciosos, além do carro, vieram ao volante de uma ignorância maior do que aquela com que saíram. E a ignorância é mais forte que o álcool...
 
Meu Caro Visconde:
Tudo isso será verdade, porém interrogo-me se permitir que os potenciais trabalhadores venham sem propostas de trabalho concretas, ainda à procura de algo indeterminado que possam achar, não será um tanto imprudente.
Abraço.
 
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