25 setembro, 2006

 
Sempre que regresso a Portugal um dos lugares obrigatórios de peregrinação é a Fnac. Por qualquer razão masoquista passo ali horas a folhear os livros que nunca lerei e os discos que nunca ouvirei. Normalmente sei bem o que quero comprar de cada vez que lá vou, até porque passo meses a fio a fazer listas de coisas que quero comprar. E como tento estar minimamente a par das novidades editoriais e dos novos lançamentos discográficos raramente me deparo com grandes surpresas. Mas desta última vez isso aconteceu.

Em boa verdade nem sequer fui eu que o encontrei, mas vasculhando na secção de guias turísticos deparámo-nos com um estranho livro sobre Lisboa da autoria de... Fernando Pessoa.
Bom, toda a gente sabe que Pessoa foi extremamente prolífero na sua exígua vida. E também que deixou a sua obra anarquicamente dentro de uma arca na qual os investigadores têm de decifrar e (tentar) organizar os cerca de 27 mil documentos que aí se encontram. Pensámos que seria então uma espécie de recolha de textos dispersos de Pessoa sobre Lisboa. Mas para grande surpresa nossa não o era. O livro entitulado "Lisboa: O que o turista deve ver" editado pela Livros Horizonte é uma novidade editorial, mais propriamente de Fevereiro do corrente ano.

O livro é prefaciado pela Prof. Teresa Rita Lopes, precisamente a coordenadora de um dos grupos de investigadores que anda às voltas com o espólio pessoano. Relata-nos a professora da Nova que o grupo por si coordenado deparou-se, a páginas tantas, "com um texto seguido, completo, dactilografado - coisa rara no espólio pessoano! - que era nem mais nem menos que um guia pronto a ser publicado dessa Lisboa a que Pessoa chamou seu «lar»". Este guia estava originalmente escrito em inglês -Pessoa era bilingue-, num registo claramente turístico, sem vestígios visíveis da pena poética do autor, em que Pessoa percorre os ex-libris da capital, deparando-se com locais de interesse arquitectónico, artístico, intelectual ou simplesmente de lazer. O livro, cuja datação provável é 1925, inserir-se-ia num projecto maior, bem à imagem do autor de "Mensagem": um rol muito mais amplo de publicações que visava dignificar Portugal face à restante civilização europeia.

Depois de o comprar perguntei aos meus amigos ainda residentes aí no burgo se haviam ouvido falar do livro. Já não digo uma edição especial do JL, esse pasquim que é frequentado pela corja de amigos do Vasconcelos! Nem tão pouco uma peça daquelas de "encher chouriços" num dos quatro canais de televisão, emparelhado entre o novo namorico de um qualquer "socialite" da nossa praça e a actuação da véspera dos D´Zrt em Freixo-de-Espada-À-Cinta! Eu contentava-me com um certo "frisom" do boca-a-boca no nosso mundo académico. Acontece que nem isso! Um livro inédito de Pessoa é editado; em que o autor havia tido o cuidado de o dactilografar e organizar; cujo propósito seria tão nobre como aquele que acima se citou... e nada! Bem sei que não é a última pérola desse escrevinhador incansável que dá pelo nome de Paulo Coelho, ou dessa flausina armada em Marguerite Duras da Lapa que é a Rebelo Pinto, nem sequer o último repositório de banalidades da lavra do filho do doutor Jacinto, mas bolas... era preciso vetar um dos nossos dois maiores escritores de sempre a esta vexação, a este desprezo?

Bem sei que Pessoa está «démodé» (lembro-me que a minha professora de Literatura Contemporânea Portuguesa na FLUL, quando abordava o Modernismo considerava Sá-Carneiro a figura de proa do movimento, enquanto Pessoa era uma espécie de figurão que havia acidentalmente passado por ali), talvez porque cada vez são mais claras as suas orientações políticas (havemos de voltar a este tema um destes dias), mas é sintomático da alma de um povo que se legue ao mais perfeito desprezo a obra de um dos seus maiores.

Comments:
Ora ainda bem que tenho o hábito de passar por aqui...
Pessoa é o nosso poeta Maior, sem qualquer dúvida.
 
Olá Conde! Apesar de ir frequentemente à FNAC e proceder precisamente como tu (horas a bisbilhotar livros e a descobrir novos cds), confesso a minha mais absoluta ignorância no que concerne a uma nova publicação de Fernando Pessoa. Penso que a comunicação social não o noticiou, aliás, que interesse teria isso, como tu muito bem observaste. Infelizmente, as preocupações dos nossos media parecem ser outras. Obrigada pela tua preciosa informação. Gosto bastante de Fernando Pessoa, como deves imaginar, e uma qualquer obra dele é sempre uma benesse.
Uma vénia!
 
Meu Caro Conde:
Não conheço essa produção pessoana, mas olhe que a Doutora Teresa Rita Lopes quase tem lugar cativo no «JORNAL DE LETRAS». De resto, Pessoa está bem e recomenda-se, com equipas rivais a disputarem edições críticas e os índices de bibliografia passiva a dispararem.
Já não estamos no tempo em que um Grande Escritor Contemporâneo lançou: «Tanto pessoa já enjoa».
Abraço.
 
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