16 setembro, 2006
A escola

Na senda das novidades (para não dizerem que somos reaccionários!) inauguramos hoje um modelo diferente, que esperamos que se repita no futuro. Pediremos a alguns amigos e comentadores d´O Condado para nos enviarem textos tratando de temas específicos que eles, de alguma forma dominem.
A misteriosa Jade, do blog Ponto cardeal, presenteia-nos com um excelente texto sobre a educação em Portugal, baseado na sua experiência enquanto professora. Esperemos que mais textos se sigam.
PS: Há-de haver algum engraçadinho que irá dizer que só recorremos a este expediente porque estamos com falta de imaginação. Para um espaço de direita conservadora não está nada mal isto de dar voz a pessoas que venham de fora... Além disso, se até o Pacheco Pereira o faz...
A Escola
O Conde de Piornos lançou-me um repto: escrever um texto sobre o estado do ensino em Portugal, segundo a minha experiência pessoal. O que eu vou escrever não deve ser entendido como um tratado; é apenas um texto simples que deve ser lido como um desabafo
Já dou aulas há alguns anos, portanto não me considero uma novata na matéria. Nestes anos tenho verificado, com grande consternação, que o nível de competências dos alunos tem vindo a decrescer de uma forma deveras inquietante. As lacunas encontram-se em questões tão básicas como, por exemplo, o domínio da língua materna. É assustadora a maneira como os alunos se expressam a nível oral e escrito. A culpa não será, à partida, deles, porque nós, os professores, é que os ensinamos, mas será que as responsabilidades nos devem ser imputadas na totalidade?
Vejamos: pelo que me é dado a perceber o ensino ministrado no 1º ciclo já não é feito nos mesmos moldes de há uns anos atrás. Não defendo a imutabilidade nem a estagnação, mas parece-me que o modelo seguido não é o mais eficaz. Com a justificação de que os métodos antigos eram anti-pedagógicos e traumatizantes para os alunos, optou-se por uma via que só tem mostrado não ser eficaz. Perdoem-me os teóricos das novas pedagogias, mas não vejo de que forma é que um ditado pode ser anti-pedagógico e criar traumas nas crianças. Por essa ordem de ideias, várias gerações são constituídas por pessoas traumatizadas. Deve ser essa a explicação para as atitudes de alguns dos nossos políticos! O facto, é que os alunos cada vez escrevem pior e falam pior. Este é, na minha opinião, o primeiro ponto que merece a nossa reflexão.
Ao longo da minha carreira tenho-me confrontado com todo o tipo de professores: aqueles que fazem o mínimo indispensável, os declaradamente incompetentes, os que trabalham de uma forma responsável e os extraordinários. Isto não é, contudo, apanágio apenas e só da nossa profissão. Em todas os tipos de trabalho se encontram bons e maus profissionais. Considero pertinente que se avalie os professores de uma forma séria, porque tenho noção de quão importante é o nosso papel na formação de futuros cidadãos. Porém, a ideia peregrina de realizar um exame que avalia competências na área específica de docência de cada professor como forma de admissão à carreira ou como forma de progressão é, no mínimo ridícula. Caso esta ideia venha a fazer parte do novo estatuto da carreira docente constituirá uma afronta às universidades que certificam os professores como aptos para o ensino; para além disso, milhares de professores que leccionam há anos mas ainda não tiveram oportunidade de efectivar, vêem-se na contingência de ficarem definitivamente excluídos da carreira, no caso de não obterem aprovação no famigerado exame. Quem procede à avaliação? Pelos vistos, os nossos colegas mais velhos. Ora, nem sempre a idade ou os anos de ensino são sinónimos de competência. Este é o segundo ponto que me preocupa.
Outra questão na ordem do dia é o horário de permanência na escola. A maior parte das pessoas achava que os professores eram uns privilegiados porque passavam na escola menos tempo do que as 35 horas semanais. Ora, o que muitos não sabem é que se contabilizarmos todas as horas que um professor passa na escola (incluindo as horas mortas constituídas pelos furos no horário porque a maior parte dos professores não trabalha a dez minutos de casa e como tal tem que permanecer na escola) facilmente ultrapassamos as 35 horas semanais. Atenção, a isto acresce o trabalho de casa. Pessoalmente, não sou contra as 35 horas semanais. É preciso é que as escolas ofereçam condições para que possamos desenvolver o nosso trabalho com eficiência. Para quem não sabe, a maior parte das escolas não possui gabinetes de trabalho, nem computadores suficientes para serem utilizados por todos os docentes. Assim, é difícil optimizar o tempo que se passa na escola. É importante que as pessoas percebam este aspecto.
Outra questão que levantou muita celeuma foram as aulas de substituição. À partida sou contra as aulas de substituição. Acho que todos os alunos têm direito a um feriado. Será que os senhores do ministério se esqueceram como sabia bem um furo inesperado? Mas admitindo que não é aconselhável que os alunos vagueiem pela escola sem nada para fazer, as aulas de substituição nunca poderiam ter sido implementadas da forma desconexa como se verificou que aconteceu em todas, ou quase todas, as escolas do país. Começou-se pelo telhado. Na minha opinião, nem sequer devia existir a designação "aulas de substituição". Se a filosofia que preside ao projecto é ocupar os alunos, então há que criar ateliers, clubes, gabinetes, consultórios, o que quiserem, para manter os alunos saudáveis e alegremente ocupados. Mas isso não se faz num dia, numa semana, tão-pouco num mês. O projecto teria que ser pensado, planificado e posto em prática no ano lectivo subsequente. Só assim seria exequível. O ano passado, na minha escola, as aulas de substituição eram o terror dos professores. Confrontados com turmas que não conhecíamos, rapidamente se esgotou o repertório de filmes. Os jogos didácticos eram, também, rejeitados e então fazer os trabalhos de casa ou estudar, nem pensar. Posso dizer que de todas as aulas de substituição que dei, apenas numa delas, a colega deixou tarefas para a turma realizar na sua ausência. Não estou a culpar os outros professores. Se na escola onde eu estive o ano passado houvesse aulas de substituição para o secundário, podia ter sido eu a não deixar material para os outros colegas. O facto constatado é apenas o resultado de uma medida alinhavada em cima do joelho. Em suma, não será certamente com medidas destas que se irá combater o insucesso escolar. Os alunos vão ficar fartos, extenuados e revoltados porque o que é feito por obrigação não resulta. Em algumas escolas por onde passei, durante os feriados, muitos alunos, por iniciativa própria procuravam a biblioteca ou outro qualquer serviço para ocuparem os seus tempos livres. Há que ponderar esta situação.
Enquanto escrevia este pequeno texto, o ministério avançava com novidades. Primeira novidade: finalmente, constataram que os professores em início de carreira ganhavam mal, pelo que se perspectiva um acerto, uma alteração, um aumento de remuneração. Aplaudo a medida mas pergunto: e os professores que estão na pré-carreira (vulgo, contratados), que são aos milhares e que na sua maioria estão deslocados das suas residências? Segunda novidade: o ministério julga adequado atribuir um prémio ao melhor/melhores professores (não percebi bem..). Um prémio?!!! Eu não quero nenhum prémio por desempenhar bem a minha profissão. Eu quero é que me deixem trabalhar (já pareço o outro) e que me ofereçam as condições adequadas para o fazer de forma a obter sucesso. A medalha ou a taça não me interessam. Prefiro chegar ao final e perceber, com alegria, que os meus alunos aprenderam alguma coisa comigo na experiência partilhada ao longo do ano lectivo.
Provavelmente o que eu escrevi são banalidades; provavelmente haverá outras questões muito mais pertinentes, mas como eu referi, isto é apenas um desabafo de uma pessoa simples que adora o que faz e que gostava de ver a profissão dignificada e não enxovalhada como tem acontecido sucessivamente nos últimos anos. Apesar de tudo, desejo um bom início de ano lectivo para todos os professores!
Comments:
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Querida Jade e Caro Conde:
Gostei muito do artigo e desafio-Vos a darem uma olhadela ao primeiro número da revista "on line" «ALAMEDA DIGITAL», dedicado ao ensino.
Beijinhos e abraço.
Gostei muito do artigo e desafio-Vos a darem uma olhadela ao primeiro número da revista "on line" «ALAMEDA DIGITAL», dedicado ao ensino.
Beijinhos e abraço.
Cara Jade,
Li com muita atenção o texto com que nos presenteou e que desde já agradeço e gostaria de dizer que estamos em sintonia no que respeita a muitos temas.
1º) Os alunos na sua grande maioria não sabem ler nem escrever. Comentem erros grosseiros de interpretação e erros de lana caprina ao escrever. No entanto, dado o estado do ensino em Portugal, isso não me choca. Deixa-me triste, mas nem professores nem alunos podem viver com programas escolares cujo prazo útil de vida raramente ultrapassa o ano lectivo. Em comparação, na Holanda por exemplo, a última reforma do ensino foi há dez anos. A estabilidade ajuda muito à aprendizagem de alunos e professores.
b) Aulas de substituição. Compreendo que em determinadas escolas, um furo crie um problema de segurança para os pais das crianças e adolescentes. Todos sabemos que hoje em dia existem problemas de segurança que há dez anos não se punham. No tempo em que frequentava o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho em Lisboa, era frequente durante os furos irmos até ao Parque Eduardo VII ou até ao Centro Comercial das Amoreiras. Nunca tivemos problemas com os bairros problemáticos mais próximos, Casal Ventoso e Serafina e como tal cada furo era vivido com alegria e muito boa disposição.
c) Avaliação dos docentes. Concordo que os docentes podem e devem ser avaliados, sobretudo para separar os que são bons professores dos que são maus ou mesmo péssimos. O método é que não é claro, os docentes serem avaliados pelos pais dos alunos é introduzir um elemento extremamente subjectivo das simpatias pessoais e não tentemos tapar o sol com a peneira, depende em larga escala da percepção que o encarregado de educação tiver do que é ou não um bom professor. Quanto a avaliação ser efectuada por colegas mais velhos, pergunto-me se serão capazes de deixar de fora as questões mesquinhas próprias de cada profissão. É que quem sabe se um professor receber uma boa avaliação, não poderá retirar o lugar a um colega qualquer e quem sabe até ao colega que lhe fez a avaliação.
d) O horário de permanência na escola é uma questão antiga, porque se existem muitos professores na situação que a Jade descreve, muitos existem que permanecem o mínimo tempo possível na escola e que não cumprem qualquer horário. Tive vários exemplos disso ao longo da minha vida estudantil e também no início da minha vida profissional. Reconheço que muitas vezes não se encontram à disposição dos professores os meios para poderem aproveitar os tempos mortos nas escolas, faltam espaços individuais e faltam computadores.
e) Por último, permita-me fazer uma espécie de apelo nacional, se os principais partidos acharam que deviam arranjar um Pacto Nacional para a Justiça, estão às marradas por causa do Pacto Nacional para a Reforma da Segurança Social, porque raio não arranjarem um tempinho para criarem um Pacto Nacional para a Educação, afinal uma sociedade com elevado nível de educação, tem maiores capacidades para fazer frente aos desafios do futuro.
É altura de se deixar de tratar a educação como um problema menor do nosso país.
Li com muita atenção o texto com que nos presenteou e que desde já agradeço e gostaria de dizer que estamos em sintonia no que respeita a muitos temas.
1º) Os alunos na sua grande maioria não sabem ler nem escrever. Comentem erros grosseiros de interpretação e erros de lana caprina ao escrever. No entanto, dado o estado do ensino em Portugal, isso não me choca. Deixa-me triste, mas nem professores nem alunos podem viver com programas escolares cujo prazo útil de vida raramente ultrapassa o ano lectivo. Em comparação, na Holanda por exemplo, a última reforma do ensino foi há dez anos. A estabilidade ajuda muito à aprendizagem de alunos e professores.
b) Aulas de substituição. Compreendo que em determinadas escolas, um furo crie um problema de segurança para os pais das crianças e adolescentes. Todos sabemos que hoje em dia existem problemas de segurança que há dez anos não se punham. No tempo em que frequentava o Liceu Maria Amália Vaz de Carvalho em Lisboa, era frequente durante os furos irmos até ao Parque Eduardo VII ou até ao Centro Comercial das Amoreiras. Nunca tivemos problemas com os bairros problemáticos mais próximos, Casal Ventoso e Serafina e como tal cada furo era vivido com alegria e muito boa disposição.
c) Avaliação dos docentes. Concordo que os docentes podem e devem ser avaliados, sobretudo para separar os que são bons professores dos que são maus ou mesmo péssimos. O método é que não é claro, os docentes serem avaliados pelos pais dos alunos é introduzir um elemento extremamente subjectivo das simpatias pessoais e não tentemos tapar o sol com a peneira, depende em larga escala da percepção que o encarregado de educação tiver do que é ou não um bom professor. Quanto a avaliação ser efectuada por colegas mais velhos, pergunto-me se serão capazes de deixar de fora as questões mesquinhas próprias de cada profissão. É que quem sabe se um professor receber uma boa avaliação, não poderá retirar o lugar a um colega qualquer e quem sabe até ao colega que lhe fez a avaliação.
d) O horário de permanência na escola é uma questão antiga, porque se existem muitos professores na situação que a Jade descreve, muitos existem que permanecem o mínimo tempo possível na escola e que não cumprem qualquer horário. Tive vários exemplos disso ao longo da minha vida estudantil e também no início da minha vida profissional. Reconheço que muitas vezes não se encontram à disposição dos professores os meios para poderem aproveitar os tempos mortos nas escolas, faltam espaços individuais e faltam computadores.
e) Por último, permita-me fazer uma espécie de apelo nacional, se os principais partidos acharam que deviam arranjar um Pacto Nacional para a Justiça, estão às marradas por causa do Pacto Nacional para a Reforma da Segurança Social, porque raio não arranjarem um tempinho para criarem um Pacto Nacional para a Educação, afinal uma sociedade com elevado nível de educação, tem maiores capacidades para fazer frente aos desafios do futuro.
É altura de se deixar de tratar a educação como um problema menor do nosso país.
Infelizmente, o ensino é um problema real, e que cada vez assume maiores proporções. Fazes bem em divulgar a tua opinião, porque é com o contributo de todos, mostrando que não ignorámos os problemas, e que sabemos perceber as prioridades dos governos, que se consegue lutar para que este estado de coisas mude.
Parabéns à Jade pelo magnifico texto.
Bom fds.
Parabéns à Jade pelo magnifico texto.
Bom fds.
Jade:
Sê bem-vinda a terras do Condado! Excelente texto sobre uma questão primordial para o desenolvimento da nosso país.
Sê bem-vinda a terras do Condado! Excelente texto sobre uma questão primordial para o desenolvimento da nosso país.
É estranho aceder aqui como se fosse comentar o meu próprio texto, mas não é isso que vou fazer. Queria só agradecer ao Condado a oportunidade que me deu de publicar um texto num blog que eu considero ter muita qualidade. Devo confessar que a maior parte das vezes não me sinto à altura de comentar os posts publicados, mas sempre que tenho algo para dizer, arrisco.
Subscrevo a apelo da duquesa: a educação tem que passar a ser vista e tratada como uma questão primordial no nosso país.
Obrigada a todos!
Subscrevo a apelo da duquesa: a educação tem que passar a ser vista e tratada como uma questão primordial no nosso país.
Obrigada a todos!
Como sempre clara e incisiva! Subscrevo tudo o que escreveste. Convido os caros leitores a passar pelo meu espaço e a consultar os maeus textos sobre a educação. Até fiz umas quadras dedicadas à ministra!
Abraço a todos, Lu
Abraço a todos, Lu
Muito bem. Deixe-me assegurar-lhe, o que escreveu não é nem deve ser visto como banalidades. São as constatações de quem vive o sistema de Ensino actual.
Deve-se acabar com os mitos de que os professores são pessoas irresponsáveis e os únicos reponsáveis pelos maus resultados dos nossos estudantes. São uma classe digna, infelizmente sobrevalorizada e indispensável para a recuperação do nível socio-cultural da nação. Foram a politiquice e a diabolização do regime anterior a 1974 os incompetentes. Por mais que queiram arrastar os profissionais que convivem com o problema, é de conhecimento geral donde vêm as "reformas" e a instabilidade.
Bem-haja.
Deve-se acabar com os mitos de que os professores são pessoas irresponsáveis e os únicos reponsáveis pelos maus resultados dos nossos estudantes. São uma classe digna, infelizmente sobrevalorizada e indispensável para a recuperação do nível socio-cultural da nação. Foram a politiquice e a diabolização do regime anterior a 1974 os incompetentes. Por mais que queiram arrastar os profissionais que convivem com o problema, é de conhecimento geral donde vêm as "reformas" e a instabilidade.
Bem-haja.
Este é para mim, que não sou professor mas sim encarregado de educação, um artigo excelente, que deve ser apreciado e guardado. Parabéns Jade!
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