10 junho, 2006
O menino da lágrima

Toda a gente se lembra daquele cartaz que surgiu pouco tempo depois do 25 de Abril, onde uma criança loira de cabelos encaracolados e todo esfarrapado punha, em bicos de pés, um cravo vermelho no cano de uma G3. A criança fotografada nesse "instantâneo", sabemos hoje, era o pequeno Diogo Bandeira Freire, que, como o nome indica é filho do Pedro Bandeira Freire...
Conta-se que o PCUS enviou imediatamente uns delegados a Portugal para que estes pudessem assistir "desligadamente" ao decorrer da nossa revolução. Uma vez confrontados com a näif imagem do célebre cartaz quiseram logo saber quem era a "pobre" criança que aparecia em trajes amarfanhadamente proletários. Ora acontece que já naquela altura o bom do Bandeira Freire era tudo menos um proletário. De facto, ele era o proprietário dos cinemas Quarteto e o seu modus vivendi e o do seu filho, por natural acréscimo, não era propriamente o de um operário da SeteNave residente no Barreiro...
Para não chocar os delicados corações dos soviéticos (já lá dizia o outro que os desafinados também têm coração...), os émulos portugueses tiveram que encobrir o berço burguês do pequeno Diogo. Até hoje há-de haver meia dúzia de tipos no coração da Sibéria que hão-de ter dependurado na parede da sala das suas "datchas" este cartaz para toda a família vislumbrar o carácter operário da revolução portuguesa...
Mas hoje, dia 10 de Junho de 2006, o Presidente da República Portuguesa encontrou-se com Diogo Bandeira Freire, hoje com 35 anos. E o menino esfarrapado e descalço há 17 anos foi estudar para Londres onde ainda vive e onde é director financeiro de uma empresa de distribuição (será de cartazes publicitários? De "matrioshkas"?). Há cinco anos, quando acabou o curso, quis regressar, mas não tinha emprego e por lá continuou até ser contactado recentemente pela Presidência da República para estar presente nas comemorações do Dia de Portugal.
Afirma o nosso Diogo que nunca votou, nem em Portugal, nem em Inglaterra, porém afirma que disso se envergonha (porquê Diogo, se a revolução nem sequer era para ser democrática?).
Mas o pobre Diogo diz que "a minha ideia não é ser só o menino do cravo, mas um português que vive no estrangeiro e que pode contribuir para o seu país". Palavras que vão, aliás, ao encontro daquilo que afirma o Presidente Aníbal (o (h)uno): que o dia 10 de Junho é também o dia da diáspora, e que não sei quê e que não sei que mais...
Pois sim, Aníbal! Ora daqui da diáspora no Daomé de onde nos vês, um grande manguito para ti e para todos os Bandeiras Freires que por aí grassem...
Para mais informação: http://jornal.publico.clix.pt/noticias.asp?a=2006&m=06&d=10&uid=&id=83500&sid=9078